quarta-feira, setembro 13, 2006

M.L.K. - Manifesto Liberdade e Kultura [Parte I]

A.S.: a escrita deste texto foi feita em várias partes, umas longas, outras breves, em dias juntos ou separados, em horas diferentes, na diferença toda que pode comportar o espírito. O texto resulta pois como uma enorme manta de retalhos de estilos - se isso lhe traz riqueza ou o ilide, o juiz - leitor! - decide.


Folheava hoje as páginas virtuais, leitura matutina do jornal novo em que se converteu, sem baptismo, a máquina em que escrevo. Nas informações que pesquisava da adaptação cinematográfica do primeiro volume da trilogia His Dark Materials, encontrei na Wikipedia:

"In an interview published on the internet in December 2004, Weitz indicated that the film would make no direct mention of religion or of God; two of the key themes of the trilogy - a decision attacked by fans of the novels. Weitz stated that New Line Cinema feared that "perceived antireligiosity" would make the film financially unviable in the US."

Este é o Tempo em que Arte diminui.

No séc.XX nasceu matarem-se as regras. A libertação libertou-se do que libertar-se. Dadá destruiu toda a seriedade da Arte, e os os russos acabaram com as palavras na literatura (Khlebnikov) e os objectos na pintura (Kandinsky). O Romantismo, enquanto movimento espartaquista, concluiu-se enfim, porque se concretizou finalmente. Na América, houve Greenwich Village. Ah!, esses, esses foram tempos em que o tempo não contava na atemporalidade de que as obras imortais eram cheias! Homens forjaram o quebrar das correntes e ser artista era sinónimo de ser livre! Livre da sociedade, livre da própria arte. Todos eram futuristas, ordenando os incêndios de tudo o que pertencia ao passado, e a inauguração de um tempo novo com a regra nova de não existirem regras. A Arte: acontecia.

"Todo o mundo é composto de mudança".

Hoje, o mundo engravidou de mais um século. Mas, ai Darwin!, estavas errado! Mais tempo não significou mais evolução. Os sinais são demais evidentes: a Arte foi taylorizada. Garrett escreveu nas suas Viagens a receita para uma novela romântica - hoje, tudo tem as suas regras, como se todos tivéssemos saídos de uma gigantesca academia de Belas Artes, chamada cultura pop. A rádio comprime as músicas a quatro minutos, talvez por o quadrado ser para os gregos a forma perfeita. As editoras literárias, canas de bambu, bamboleiam à boleia das tendências (vide Cruzadas Literárias, onde se distingue o bom do mau fruto). O cinema prostitui-se por um PG13. Estamos a ceder a Arte às massas - e a Arte nunca foi uma questão de massas. Não que os dois temas sejam antagónicos - e virá, assim creio, o dia em que, pelo contrário, serão sinónimos - mas tal sucederá não porque a Arte se baixou, mas porque o Público se elevou. Porém, repito, a Arte nunca foi uma questão de massas - porque é um produto, essencialmente, individual.

Enquanto exposição de uma filosofia, de uma mundividência, de uma mensagem, qualque obra de arte torna-se imensamente pessoal, e, quando é verdadeiramente genial, consegue atingir a universalidade. Anna Karenina é uma obra de Tolstoi, com as ideias de Tolstoi - mas capta o fundo do ser humano e, aí, ganha o coração de cada leitor e a essência difícil da psique humana. É desta extrema duplicidade paradoxal - de ser simultaneamente a expressão e a expansão de um «eu» e a possibilidade de identificação anónima com o Homem - que Nietzsche fala num passo da sua Origem da Tragédia: "...pois este «eu» não é já o do homem vigilante, o do homem empírico e real, mas sim o «sujeito» verdadeiro e eterno que existe no fundo de todas as coisas e que o génio lírico sabe reproduzir, penetrando assim até ao íntimo cerne da realidade."

A verdadeira Arte significa, pois, algo para as pessoas. Fala-se, por exemplo, em confirmação do «paradoxo» de cima, de cinema de autor de massas, das mãos de Hitchcock, Tarantino, Kubrick ou Spielberg. A Arte é Humanidade e condição essencial, como a Filosofia ou a Ciência, da nossa realização humana. Por isso, a Arte tem Público. Eu não acredito na estupidez das pessoas: eu acredito na sua estupidificação. Se a Arte tem de se livre, não menos livre tem de ser quem se dispõe a acolher essa Arte. E, Deus!, é isso que nos falta! Espíritos livres e espíritos presos que se queiram libertar! Entre o artista e o consumidor surgiu esta figura, exôtica, estranha, condicionante: o editor/o produtor. Nunca houve tanta oferta e nunca a cultura foi tão monólita. Este é o tempo dos media - «media» porque intermediários. E, porque intermediários, eles filtram a produção artística, condicionando o sucesso ou insucesso dos projectos criativos. Vivemos o tempo da Arte fabricada: o sucesso artístico é um fenómeno independente do artista. O sucesso da generalidade dos cantores de hoje em nada se deve aos seus talentos, mas à MTV; o triunfo de filmes de acção repetidos e comédias românticas adolescentes, ao marketing; as vendas de inúmeros autores, a irem às cavalitas de um género que obtém um breakthrough. Goethe escreveu na opus Fausto:"Que a sorte sem mérito pouco vale/Um tolo nunca o entenderia;/Tivesse ele a pedra filosofal/E inda o filósofo à pedra faltaria."